Isa Stacciarini, Daniel Cardozo e Renan Bortoletto
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A operação legalidade, iniciada na noite de sexta-feira, se espalhou por vários batalhões. Uma semana depois de o Tribunal de Justiça do DF considerar a operação tartaruga ilegal, os policiais militares mudaram de estratégia e se recusam a sair dirigindo viaturas. Eles alegam que não são habilitados para conduzir veículos de socorro e urgência como exige a Resolução 205 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Em vários batalhões, os militares até fazem policiamento com os próprios carros, mas se recusam a sair com as viaturas. Outros batalhões prometem aderir hoje ao movimento.
O comandante da Polícia Militar, Anderson Moura, porém, afirma que todos estão aptos a dirigir e que questões políticas estariam por trás do movimento. Ele reagiu rápido e ontem publicou a Portaria 893 reconhecendo os cursos de formação da corporação como equivalentes ao curso de especialização (veja Versão Oficial). A Corregedoria deverá analisar o caso de policiais que se recusarem a sair.
A reportagem do Jornal de Brasília percorreu os 3º, 4º, 11º e 26º batalhões, respectivamente do Saan, Guará, Samambaia e Santa Maria, e, em três deles, foi possível confirmar que os praças se recusavam a sair com as viaturas. Apenas em Samambaia a informação não foi confirmada pelos policiais. Segundo vários praças, os batalhões de Águas Claras, Paranoá e São Sebastião estariam também com mobilizações no mesmo sentido.
Curso
Para sair com as viaturas, eles alegam que precisariam ter uma habilitação própria para pilotagem de emergência, adquirida após um curso licenciado pelo Departamento Nacional de Trânsito. Com base neste argumento, os policiais passaram a preencher o formulário de saída das viaturas com esta informação. Nesse caso, a responsabilidade por quaisquer infrações ou crimes que acontecessem causados por motoristas das viaturas seriam de responsabilidade do oficial que assinou o termo. Muitos, no entanto, não quiseram assumir a responsabilidade.
“Não tem nada de ilegal no que nós estamos fazendo. Estamos agindo dentro da legalidade para reivindicar nossos direitos. Foram dados aumentos para mais de 30 categorias, incluindo a dos agentes do Detran. É injusto com os policiais”, afirmou um policial que não quis se identificar.
Na sexta-feira à noite, policiais do 4º Batalhão, do Guará, foram levados de ônibus até à Cidade Estrutural e receberam ordens de patrulhar a cidade à pé. Dentro da corporação, há quem diga que o gesto significa uma retaliação por parte dos oficiais.
“O policiamento à pé não adianta quase nada, porque se eu precisar prender alguém, como vou deslocar o suspeito? E se tiver uma perseguição?”, questionou outro policial militar.
De acordo com a maior parte dos policiais ouvidos, o movimento foi disseminado pelas redes sociais e não seria parte da estratégia de nenhuma das várias associações que representam integrantes da PM.
“Dizem que 40% dos policiais têm curso superior de Direito. Essa questão do curso de direção já era bastante conhecida na corporação, até que se teve a ideia de colocar em prática”, relatou um PM.
Manifestações pedem segurança
Duas manifestações em pontos diferentes do DF clamaram ontem por um mesmo objetivo: paz e segurança nas ruas. Na Praça do Relógio, em Taguatinga, um morador montou uma espécie de tenda com aparelhos de segurança, como câmeras de vigilância e cerca elétrica, para descrever a sensação de insegurança que vivem os moradores da capital do País.
Mesmo estando ao lado de um Posto Comunitário de Segurança, os manifestantes presenciaram o esfaqueamento de um rapaz. Três moradores de rua correram atrás dele, esfaquearam-no em vários pontos do corpo e ainda levaram tênis, relógio e carteira. O grupo foi aconselhado pela polícia a deixar o local, por falta de segurança. Eles prometem voltar hoje.
Confinamento do medo
Segundo Charles Guerreiro, que contou com doações para montar aquilo que denominou de “confinamento do medo”. A tenda, montada ao lado de uma base móvel da Polícia Militar, chamou a atenção de quem passava pelo local. Uma faixa preta que representava luto também foi amarrada ao relógio central da praça. “Nossa manifestação quer mostrar que a sociedade está presa e o bandido solto na rua. É obrigação governamental garantir nossos direitos em um país que se paga muitos impostos, mas os investimentos deixam a desejar. O elo fraco disso tudo é a sociedade, e precisamos acordar a tempo de conseguir alguma mudança”, disse Guerreiro.
Apoio
Ana Cleide Almeida, mãe de Leonardo Monteiro, assassinado em Águas Claras, também participou do protesto junto de familiares. “Cada dia é uma luta, estou muito cansada. Mas só deixarei de apoiar quando de fato algo mudar. Até lá, temos uma luta diária”, disse.
A estudante Larissa Ramos, 19 anos, ficou surpresa ao ver a casa montada com pessoas dentro em plena praça. “Nunca vimos um cenário tão violento como o que estamos passando. Espero que as autoridades ouçam os nossos pedidos e tomem providências”, pontuou.
Mortes na Estrutural
Ao menos 50 pessoas fizeram parte da caminhada-manifesto no Setor de Chácaras Santa Luzia, na Estrutural, promovida pela Casa de Paternidade, pela morte do garoto de cinco anos vítima de uma bala perdida enquanto brincava em frente à casa da mãe.
“Em cinco meses tivemos seis homicídios aqui na região. O último foi o caso do Pedro Henrique Pereira, de cinco anos e isso fez com que adiantássemos o protesto que estava marcado para abril. Nossas crianças precisam de mais chances, mais segurança e atenção. Infelizmente, a participação de mães e moradores nesses ainda é baixa, pois temem por ameaças no futuro”, disse Aline Albernaz, da Casa de Paternidade.
Além da violência, moradores relatam casos de discriminação. “Não tem segurança, isso é um problema crônico. Se nós vamos ao supermercado, temos que dar um endereço de Brasília ou de algum setor mais nobre. Sem contar que eles não entregam nossas compras aqui”, disse a bordadeira Francisca Damaceno.
A caminhada-manifesto contou com a participação de crianças que carregavam faixas com dizeres de “criança merece ser cuidada e amada” e “ainda há amor em BSB”.
Quatro meses de idas e vindas
O movimento de policiais e bombeiros começou em outubro do ano passado com a chamada Operação Tartaruga, mas foi intensificada no início do ano com expressivos índices de criminalidade e violência no Distrito Federal. Com um efetivo reduzido nas ruas houve nos primeiros 30 dias do ano aproximadamente 75 mortes violentas.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) demorou para admitir que militares tinham aderido à operação de lentidão. Depois que chegaram a conclusão de um movimento expressivo a cúpula de segurança pública se reuniu com o governador Agnelo Queiroz no comando da PM. No mesmo dia, em 31 de janeiro, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) considerou a operação tartaruga ilegal. No dia seguinte o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) determinou que todos os militares voltassem à rotina de trabalho sob pena de multa de R$ 100 mil por dia para quem descumprisse a ordem.
Crimes
Dentre os crimes que mais assustaram a população do DF estão o latrocínio do brigadeiro reformado da Aeronáutica, João Carlos de Souza, 66 anos, no dia 3 de janeiro, e o assassinato de Leonardo Almeida Monteiro, de 29 anos, no último dia 29 de janeiro em Águas Claras e o do menino Pedro Henrique Pereira, de cinco anos.
Versão oficial
O comandante-geral da Polícia Militar do DF, Anderson Carlos de Castro Moura, afirmou ontem que a recusa por parte de policiais militares em saírem às ruas com as viaturas “pode estar ligada a interesses alheios e políticos”. O comandante rebateu as alegações de falta de curso específico e garantiu que a corporação atende todos os requisitos básicos do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), e que todos membros da corporação estão aptos a utilizar as viaturas.
“São ações pontuais e que podem, sim, representar grupos de oposição ao governo. Os cursos de formação da PM enquadram uma série de quesitos básicos e imprescindíveis em sua grade curricular para que o policial possa conduzir, sem restrições, uma viatura da corporação. Isso vale para todo o País, e o DF não está em desacordo com essa regulamentação. Nós oferecemos, inclusive, uma escola de pilotagem”, disse. Apesar do impasse criado dentro da corporação, Anderson garante que já é notória a volta dos policiais militares às ruas com base em números. “Vínhamos de dois finais de semanas violentos no DF com 24 homicídios, e neste só registramos um. Somente na sexta-feira, apreendemos seis armas de fogo. Isso mostra que os policiais voltaram ao trabalho pra valer”, concluiu.