Reforma policial no Brasil: Mudança completa do sistema obtém consenso em audiência pública no Senado!

A reunião desta quarta-feira (13) da Comissão Especial de Segurança Pública do Senado terminou com uma frase que resume a avaliação dos participantes de mais uma audiência pública em busca de medidas que levem tranquilidade à população:

– O sistema de segurança pública no Brasil está absolutamente falido – disse o relator do colegiado, senador Pedro Taques, tendo a seu lado autoridades no assunto, como o ex-secretário da Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Luiz Eduardo Soares, e o diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.  

De acordo com Taques, o aparato de segurança precisa de mudanças estruturais, “não em homenagem a uma ou a outra categoria, mas em homenagem ao próprio cidadão”.

O quadro de insegurança compõe-se de imagens “dramáticas” colhidas pelos especialistas em levantamentos e pesquisas: um polícia que morre muito e que mata muito; resolução de crimes em percentual pequeno; falta de confiança da população no sistema de segurança; aumento do número de homicídios e de estupros; penitenciárias superlotadas; tempo médio de 1,6 mil dias para os julgamentos de homicídios.
Os números do último Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentados por Renato Sérgio de Lima mostram um Brasil com mais vítimas fatais resultantes de crimes. No ano passado, foram 47.136 homicídios dolosos. Um aumento de 7,8% em relação a 2011. Cresceram também as ocorrências de estupros – 50.617 casos em 2012, o que equivale a 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes.
Se as ruas estão mais violentas, a situação não é diferente nas penitenciárias. Segundo o anuário, cerca de 38% dos presos estão em situação provisória, “abrindo margem para uma série de problemas, que vão desde a superpopulação carcerária, até a questão de as facções criminosas ocuparem o papel do Estado”. De acordo com Lima, um levantamento mais antigo feito em São Paulo mostrou que o tempo médio para o julgamento de homicídios no Brasil era de mil e seiscentos dias.
 
Mata e morre
 
O anuário revela um Brasil no qual os policiais civis e militares matam muito, mas igualmente morrem muito.
– O policial sai para trabalhar sem saber se vai voltar e na dúvida puxa o gatilho. E isso não é falar contra as polícias brasileiras. É assumir que o padrão operacional está falido. As polícias brasileiras matam mais e morrem mais do que em qualquer outro país – assinalou Lima.
 
Enquanto a polícia de Nova York matou  nove pessoas em 2011, a de São Paulo assassinou cerca de 250 pessoas. No Rio de Janeiro foram quase trezentas mortes. Por outro lado, para cada cem mil policiais brasileiros, 17,8 são mortos em serviço. Fora de serviço são 58,7 mortes para o mesmo grupo de cem mil.
O resultado desta situação, como acredita o estudioso é um crescente distanciamento entre polícia e a sociedade. Isso é demonstrado por pesquisa na qual 70,1% dos entrevistados afirmam não confiar na polícia. Nos Estados Unidos, essa relação se inverte: 88% da população confiam nos órgãos encarregados do policiamento e investigação. Na Inglaterra, a confiança chega a 82% dos habitantes.
 
Desmilitarização
 
Na opinião Luiz Eduardo Soares, que também foi secretário de Segurança Pública do Estado do Rio, a segurança pública brasileira permanece como um retrato do passado, com práticas autoritárias herdadas do regime de ditadura militar:
 
– Chegou a hora de alguma coragem e alguma ambição para passarmos a limpo a segurança pública. Para isso precisamos mexer na Constituição, especialmente no Artigo 144, que trata do tema, sugeriu. Soares observou que a insatisfação é generalizada. Nem os policiais, nem a sociedade gostam do que veem.
 
No entender do ex-secretário, os policiais militares não-oficiais são submetidos a regimes disciplinares muitas vezes inconstitucionais.
 
– Esses regimes são draconianos. Desrespeitam os PMs como cidadãos, como trabalhadores e como profissionais –  disse, referindo-se ao Código Penal Militar. Ao defender a desmilitarização da PM, Soares explicou que não há como comparar as funções do Exército com as da Polícia Militar, por isso o tratamento deve ser distinto.
 
Soares disse ainda que, ao contrário do imaginário popular, o Brasil não é o país da impunidade. São 550 mil presos. A quarta maior população carcerária do mundo. Formada, em sua maioria, por pobres, pretos e condenados por crimes de menor gravidade, como ressaltou o senador Pedro Taques.
 
– Não é possível que tenhamos mais de meio milhão de presos e destes, quase dois terços em razão de tráfico de drogas e crimes contra o patrimônio, enquanto os homicídios não são investigados.  Os condenados por homicídio doloso são cerca de 60 mil – exemplificou o relator.
 
Rivalidade
 
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cláudio Beato Filho, trouxe à Comissão Especial de Segurança Pública mais uma dificuldade encontrada no combate à violência no país. Segundo ele, existe uma rivalidade histórica e crescente, não apenas entre as polícias e dentro de cada corporação, mas entre policiais e o Ministério Público. Além disso, a polícia não é efetiva nem na solução dos casos e nem no policiamento das ruas. O resultado é uma percepção de insegurança.
 
– Mais de 50% da população brasileira acredita que vai ser vítima de homicídio nos próximos doze meses – alertou o acadêmico.
 
Beato apresentou alguns exemplos bem sucedidos de segurança pública que poderiam ser replicados no Brasil. Um deles foi o do Uruguai, onde há uma única polícia.
 
– A polícia de Nova York teve um problema gravíssimo de corrupção e foi capaz de se reinventar. Como eles fizeram isso? Basicamente com a depuração de suas polícias e com a profissionalização das organizações policiais – contou o especialista. A Colômbia também teria superado o problema da corrupção.
 
O professor sugeriu medidas para melhorar a eficiência da polícia brasileira. Uma delas são cursos de Direitos Humanos para esses profissionais. Também aconselhou a implantação de sistemas integrados de informação e o reforço no policiamento comunitário.
 
– Tem pelo menos vinte anos que ouço falar sobre esse tema e se avançou muito pouco – recordou.
 
Baixa eficiência
 
O número de ocorrências policiais no Brasil é incompatível com a capacidade de investigação. O alerta é do professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.
– Diante de uma situação como essa, o que faz o delegado? Ele escolhe. Ele seleciona e essa seletividade não é controlada. Segue o arbítrio do delegado de polícia. Essa é, de acordo com o professor, uma das causas da ineficácia policial na elucidação de crimes – avaliou Azevedo.
 
Outra causa é a descontinuidade das investigações. A Polícia Militar, que tem o contato com a ocorrência, não tem responsabilidade nenhuma com a produção de dados que vão formar o processo penal.
 
– Isso é extremamente grave e exclusivamente brasileiro. Não há no mundo nenhuma situação como essa, de uma polícia que não faz o ciclo completo de policiamento – protestou.
 
O estudioso chamou a atenção para o fato de a polícia civil estar mais preocupada com a produção de um inquérito policial, “do que com uma investigação criminal, que seria a sua tarefa”.
 
Perguntas e respostas
 
Taques, que tem um prazo até 3 de fevereiro de 2014 para entregar seu relatório à Comissão Especial de Segurança Pública, acha que a audiência pública desta quarta-feira trouxe uma série de questionamentos a serem respondidos pelos senadores:
 
– Nós temos muitas polícias. Isso é bom? Nós gastamos muito? Gasta-se bem? Prende-se muito no Brasil? As pessoas que estão presas, merecem estar lá? E aquelas que estão soltas e mereceriam estar presas?  A polícia é violenta? É corrupta? É só a polícia? Não é só a polícia?.
 
Pedro Taques concluiu ser preciso tratar do sistema de segurança pública como um todo, a fim de responder às cobranças da população.
PM no Brasil - Escravos
 
Agência Senado
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/11/13/mudanca-completa-do-sistema-policial-obtem-consenso-em-audiencia-publica-no-senado

10 Comentários

Arquivado em Política, reestruturação das polícias

10 Respostas para “Reforma policial no Brasil: Mudança completa do sistema obtém consenso em audiência pública no Senado!

  1. Que notícia LINDA !!!!!

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  2. O problema que vejo nisso tudo é: mais uma vez nos mantemos no nível do discurso e os protagonistas são sempre os mesmos. De um lado, acadêmicos românticos e oportunistas como Luiz Eduardo Soares que
    que buscam romantizar o cotidiano da polícia brasileira escrevendo belíssimos best sellers (Elite da Tropa, Meu Casaco de General e outros) sem, entretanto, ter em seu histórico como gestor de segurança pública qualquer resultado objetivo que avalize seus argumentos e, de outro lado, acadêmicos como Claudio Beato, que recusando-se a atualizar seu discurso, sempre apresentam dados e informações que já utilizavam no começo dos anos 90, em relação, principalmente, a outras organizações policiais no mundo as quais, parece, eles não tem efetivo conhecimento a respeito.
    Já me posicionei anteriormente afirmando e reafirmando pela necessidade premente de uma reforma policial no país. Não podemos mais conviver com um sistema anacrônico como o nosso que, para além de ter duas diferentes organizações tratando de um mesmo fenômeno como se fossem fenômenos diferentes, enfrentam-se em disputas sem nexo por posições e privilégios que não se justificam. Também não podemos conviver com um sistema de segurança pública que está mais preocupado com os processos e os recursos do que com os resultados. Me explico: cada vez que temos uma alteração na curva dos fenômenos de crime nesse país as soluções propostas são sempre as mesmas: aumento de efetivo, mais armas (letais e menos-que-letais), mais munições (letais e menos-que-letais), maiores salários, menos horas trabalhadas, menos regulamentos disciplinares, carreira única, etc, etc. Não vejo, entretanto, ninguém assumindo posições que propugnem por resultados melhores seja no âmbito da prevenção, reduzindo as taxas de crime, seja no âmbito da repressão, aumentando as taxas de esclarecimento de crimes, e a vida continua e a sociedade se lascando porque a questão afinal, não é resolver os problemas de segurança pública e sim, ter as melhores posições, os melhores títulos, os melhores salários, as melhores viaturas, as melhores armas, etc. Prevenir e reprimir o crime de forma adequada. através de um bom policiamento com consequências e de uma boa investigação com consequências, é apenas um detalhe. E não me venham tentar convencer que todos esses processos e recursos a que me referi são condição para que os resultados sejam obtidos. Isso não é verdade. Ao contrário, é uma tremenda hipocrisia e uma mentira deslavada. Historicamente, mal ou bem, temos visto os recursos e os processos serem atendidos em alguma medida: um pequeno aumento de salário aqui, outro alí, um benefício aqui outro alí, um punhado de viaturas aqui, outro ali, e por aí vai. É invenção atrás de invenção para criar melhores condições para o agentes da lei, o que é justo, mas não pode ser um fim em si mesmo. E qual tem sido o resultado? Me apontem sem patacoadas corporativistas e sem manipulações espúrias, os resultados que tem sido obtidos com toda essa pseudo-evolução dos recursos e processos que tanto são reclamados? Melhores salários=menos crimes? Mais armas e viaturas=menos crimes? Menor carga horária de trabalh=menos crimes? Menos regulamentos draconianos=menos crimes? (Ora, por favor!) E o cidadão, o “paisano”? E o que há de ser daquele que clama pela atenção dos agentes da lei e não a tem?
    Penso, repito que a reforma policial em nosso país é premente e essencial. Todavia, tem que ser uma reforma consequente e responsável que abrigue, proteja e atenda a todos de igual forma: cidadãos e cidadãos policiais. Todavia, ela tem que ser assumida por todos esses agentes: praças e oficiais, agentes e delegados. Do contrário, será mais uma investida em recursos e processos que não resultará em nada, senão em novos e belos discursos para as próximas eleições, porque os resultados em relação à proteção da sociedade continuarão sendo pifiamente os mesmos.

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  3. Alexandre Ribeiro

    Vejo a importância de realizar também uma reforma carceraria e execução penal… Vítimas são lesadas e deveriam ser ressarcidas pelos seus algozes. Uma prisão onde ela se sustente… Os carceraria devem trabalhar para manter a prisão…

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  4. Por uma Flor

    http://www.cer.adv.br/cartilhadesviodefuncao
    Não é necessário publicar o comentário.
    Neste caso temos: BPRV, BPTRAN, Judiciário, Congresso Nacional, Embaixadas, Guarda do Buriti, Ambiental etc,etc e etc.
    Os oficiais deveriam dar um lida nesta cartilha.

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  5. Louzeiro

    Os dirigentes das PM’s têm motoristas, carros, secretárias e etc.; tudo às custas do erário; com todas essas regalias até eu iria vociferar contrário a mudanças de Status Quo. Portanto em um país onde mata-se mais de 50 mil brasileiros ano temos mesmo que manter duas polícias cada uma fazendo a metade do serviço da outra e concorrem entre si em tudo; Brasil está no caminho “serto”…

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    • Prezado Louzeiro, perdoe-me a franqueza da pergunta, mas em que país você vive? A crítica aos dirigentes da PM é totalmente descabida (o que não quer dizer que você está errado) diante das mesmas regalias ou maiores que os dirigentes públicos desse país oferecem a si mesmos. Há dias atrás eu postei uma resposta a um outro tema colocando em questão as regalias que os membros do Ministério Público têm. Você as conhece? E os membros do Judiciário? E os membros de segundo escalão do governo do Distrito Federal? E os membros do legislativo federal e local? E os membros de outras organizações de segurança pública, federais e locais. Ora, por favor, sejamos sensatos. Existe uma máxima em estatística que diz que só podemos comparar coisas que sejam comparáveis. No caso, você está trazendo à discussão apenas um lado da moeda, esquecendo tudo mais, como se os dirigentes da PM fossem os únicos a terem e usufruirem de regalias. Como eu disse em outro momento, as discussões precisam ser maduras, responsáveis e consequentes.

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  6. Louzeiro

    Além dos erros crassos de português percebi um argumento totalmente confuso do Nelson G. Souza, pois o Luiz Eduardo Soares é, hoje, sem dúvidas umas das maiores autoridades no assunto segurança pública deste país; e além de retratar de maneira fidedigna em suas obras a maneira que a polícia carioca patrocina a barbárie, a tortura, o racismo e etc.; Portanto Sr. Nelson por obséquio dê uma solução minimamente possível para a problemática…

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    • Prezado Louzeiro, agradeço o alerta para os erros crassos de português. Gostaria, apenas, que você os apontasse para mim de modo que eu não os cometa mais. Segundo, quanto ao Professor Luiz Eduardo Soares, também gostaria que você me indicasse evidências objetivas das realizações dele enquanto gestor de segurança pública e não apenas como um bom romancista que, de fato, ele é. Tenho acompanhado a trajetória do Luiz Eduardo desde o primeiro momento como subsecretário no RJ, em seguida como Secretário Nacional, depois como gestor municipal de segurança pública em uns poucos municípios, além de ter lido praticamente todos os livros dele e, após tudo isso, não há nenhuma evidência de que ele produziu resultados factíveis em qualquer de suas gestões. Ao contrário, as suas não realizações são sempre culpa de alguém que não ele. Não tenho nada pessoal contra ele, nem tampouco contra as soluções que ele propõe, com algumas reservas. Todavia, não faço análises apaixonadas das propostas que vêm sendo apresentadas para a segurança pública brasileira por ele e por outros. Penso que todas elas devem ser consideradas em sua factibilidade e consequências futuras. Acho o discurso dele extremamente fácil, sem levar em consideração os aspectos complexos que envolverão as mudanças no sistema de segurança pública brasileiro, o qual, de fato, exige mudanças urgentes, porém com responsabilidade. Desculpe-me, também, pela confusão que eu possa ter lhe induzido em meus argumentos anteriores. Peço-lhe a gentileza de indicar o que você não entendeu e, talvez, eu possa ser um pouco mais claro. Finalmente, prezado Louzeiro, não tenho o condão de resolver os problemas de segurança pública do país, tampouco de indicar qual a melhor solução. Todavia, acho que tal solução deve ser fruto de uma madura, sensata e responsável reflexão de todos nós a respeito da questão, sem colocar na frente disso paixões, preconceitos e visões de mundo restritas e tacanhas que só servirão para atender os anseios de alguns sem, entretanto, resolver o problema. Convido-o, tal como fizeste comigo, a discutirmos e refletirmos juntamente com outras vozes, de modo a tentarmos encontrar soluções que realmente atendam o que deve ser atendido, ou seja, uma segurança pública que seja capaz de oferecer uma melhor qualidade de vida à cidadania. Um abraço e fico à sua disposição.

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  7. Louzeiro

    O que se espera de um formador de opinião é justamente a humildade,desprendimento e a imparcialidade; assim como o Sr. mostrou agora; pois seu primeiro texto tentou a todo momento desqualificar o responsável trabalho do Luiz e foi carregado de paixões. Portanto o modelo de polícia vigente, no Brasil, ainda é da época que a preocupação maior era “correr” atrás de escravos fujões; daí atual modelo (Civil e Militar-polícia), sucumbiu-se diante da grande demanda por um aparelho ágil e eficaz…

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  8. Nelson

    Os agentes penitenciários sempre esquecidos, pois quem mantem contato direto com criminosos e facções são esses profissionais da segurança, estão sendo mortos assasinados, trabalham sem segurança alguma, é a segunda profissão mais estressante, e os afastamentos por motivos psicologcos é grande, os agentes estão incluídos nessa reforma também?

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